domingo, 5 de setembro de 2010

ENCONTRO

Vem abrindo essa coletânea especial: Encontro, um texto inédito que faz parte de um possível projeto para teatro. Aqui em Vinte e Poucas Coisas você vai ler textos meus, uns antigos que revisei especialmente e outros inéditos, além de algumas fotos.

Quando tudo começou (a sensação estranha, a vontade de estar constantemente perto e o riso sem motivo aparente), havia apenas duas semanas que Turíbio conhecera Camille. Quem eram eles?! Turíbio, sedutor como ele só, era do tipo fisicamente atraente. Um homem na flor dos seus 25 anos, dificilmente desacompanhado, mas sempre solteiro. E Camille, uma mulher que era de um corpo... Mas que era muito mais que corpo, era um jeito de olhar, com seus olhos profundamente castanhos, um jeito de dispor o cabelo por trás da orelha direita usando a mão direita, e um sorriso que era assim: dela.

Turíbio, desde muito novo, estivera ciente: não poderia se entregar; ele conhecia as mulheres. Pelo menos, tinha uma leitura bem pessoal sobre elas. E dessa leitura bem pessoal que ele tinha sobre as mulheres, sabia que se envolver agora seria um erro! (Talvez, o que Turíbio sentisse fosse medo de que as mulheres fizessem com ele o que, geralmente, ele fazia com elas). ‘Não se envolva, Turíbio’, era o que pensava. E, foi exatamente o que ele fez nas últimas vezes, nos últimos anos (nos últimos finais de semana) a.C – antes de Camille - sempre dando, ele, a última palavra: “Não dá. Foi só uma aventura. Passou”.

Simples, era ver direito onde estava pisando, era usar as palavras certas, era evitar aquele verbo (Amar) conjugado na primeira pessoa do singular, no presente, e tudo ficaria sob controle. Mas ele pensava nela, mesmo quando não a tinha em seus braços, o que era estranho para ele. E tudo o que ele pegava tinha a textura da pele dela, tinha o cheiro dela. E ele e ela, agora, para Turíbio, eram eles, ou melhor, ‘nós’. Ai, é onde o caldo entorna! Quer dizer, onde mora o problema: quando eu e você tornamo-nos ‘nós’. Porque nem sempre ‘nós’ existimos com a mesma intensidade um para o outro ou com o mesmo valor um para o outro e, o pior, às vezes, ‘nós’ nem existimos para um de nós dois.

O caldo entornou mesmo. Entornou, porque Turíbio queria ver Camille, ela também queria, e eles se viam... Turíbio queria ver Camille, ela também, mas eles só se telefonavam (por causa de umas reuniões extraordinárias, na empresa dela, exatamente na hora dos encontros). E Turíbio estava morrendo de saudades de Camille, ela... também, então eles marcaram de se ver. Turíbio chegou dez minutos antes do horário combinado, Camille se atrasou uma hora (E, mesmo quando chegou, Camille não estava lá).

Seis meses depois disso (um intervalo de tempo onde eles se viam apenas semanalmente e na casa dela. Porque ele precisava ir até lá para vê-la), seis meses depois, Turíbio marcou outro encontro, num restaurante bem romântico e caro. Nesse último, Camille demorava já mais de duas horas, quando Turíbio resolveu achar que ela tinha errado o endereço, e que andando pelas ruas da cidade, sem saber onde estava, foi se perdendo. Imaginou que nessa caminhada perdida haviam roubado a bolsa dela, por isso o celular não atendia, e ele passou a andar pelos becos, ruas e vielas daquela região central da cidade procurando por Camille (que talvez estivesse em outro restaurante, na frente de outro homem, nos lábios desse outro homem. Ou numa reunião extraordinária, na empresa dela, embora aquilo fosse um sábado à noite).

Turíbio sentou numa parada de ônibus e ficou esperando... Mas não passava. Não passava, mesmo porque Turíbio não sabia o que queria apanhar! Aliás, não passava porque ele sabia que queria, mesmo, era apanhar. E Turíbio quis gritar (como a gente às vezes quer gritar numa fila de teatro ou de banco ou num ponto de ônibus, quando a espera é aparentemente interminável): CAMILLE! Foi ai que ela apareceu: Simone. Ela, assustada com o grito que ele deu, justamente na hora em que a porta do ônibus abriu, perdeu o equilíbrio e caiu, ao descer do coletivo, machucando o tornozelo esquerdo. A casa dela ficava naquela mesma avenida, um edifício residencial, desses poucos ainda existentes no centro. Ela morava no terceiro andar.

Simone, que era solteira e morava sozinha, se desesperou ao ver que não conseguiria andar, muito menos subir a escadaria até o número 301 daquele prédio sem elevador. Turíbio prestou socorro, o mínimo que poderia fazer. Tomou-a nos braços e levou-a até o cimo daqueles três andares de degraus. Abriu a porta, com a chave que Simone tirou da bolsa, um pouco nervosa, entrou com Simone ainda nos braços e deitou-a respeitosamente numa cama – por sinal, arrumada com certo desleixo, denunciando que ela acordara atrasada e fizera o serviço às pressas. Mas ele nem percebeu isso, porque, nesse momento, olhava nos olhos castanhos daquela mulher e via olhos profundamente castanhos que possuíam O Olhar.

Simone, constrangida pela situação e cansada depois de um dia inteiro de trabalho, (mas extremamente satisfeita em lembrar que um homem como aquele a havia carregado nos braços da rua até o quarto, colocado-a delicadamente sobre cama e agora a estava olhando daquele jeito...) usando a mão direita, ela, ajeitou o cabelo por traz da orelha direita, enquanto a mão esquerda mexia no tornozelo lesionado. Turíbio, que continuava observando-a de longe, aproximou-se, abaixou-se e colocou suas duas mãos sobre a de Simone (que massageava o machucado) envolvendo-a. Após algum tempo de cabeça baixa e olhos fitando aquela mão feminina envolvida pelas suas masculinas, Turíbio levantou o olhar vagarosamente, mergulhando, os dois, simultaneamente, um no olhar do outro.

Simone sentiu a respiração forte daquele homem que a carregou nos braços, sentiu o cheiro daquele homem que também sentia o seu cheiro e que inspirava e respirava quase em sincronia com o palpitar, lento, mas nervoso, do coração dela. Simone e Turíbio se olharam, se quiseram, se beijaram, se tiveram. Turíbio conheceu a Simone e esse foi o grande encontro da noite.

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