quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Dois Mil e Desencontros

'Doismiledezencontros' assim como 'Econtro', é inédito. Eles dois fazem parte de um punhado de textos que eu tenho escritos e pretendo usar no teatro algum dia. É uma conversa, é uma série de conversas, é... é melhor você mesmo ler.

UM -  Sabe... a impressão que eu tenho é a de que cada encontro nosso é como se fosse o primeiro....
OUTRO - Sério?! Que bom...
UM - Bom, nada! Eu tenho essa impressão porque nós nos encontramos, ficamos juntos por umas horas e depois vai cada um pro seu lado. Viver, cada um, a sua vida...
OUTRO - Como se não existisse história entre a gente...
UM - como se não existisse história entre a gente... Sinceramente, eu não sinto você como participante da minha vida. E... realmente, eu não me sinto como alguém participante da sua.
OUTRO - O lance é mais físico, é isso o que você quer dizer?
UM - Não, não é isso o que eu quero dizer.
OUTRO - E o que é que você quer dizer, então?
UM - Eu estava, exatamente, dizendo quando você perguntou o é que eu queria dizer.
OUTRO - Ué, então continua.
UM  - ...
OUTRO - E ai...
UM - E ai, que agora eu esqueci. Mas, deixe, eu vou lembrar.
OUTRO - Ah, você se lembra de como a gente se conheceu?
UM - Mentira, você lembra!?
OUTRO - Não, eu perguntei justamente porque não lembro...
UM - ...
OUTRO - Desculpe, foi grosseiro da minha parte, né?
UM - Não... Quer dizer, claro, foi sim; e Isso me deixou um pouco triste. Mas é que eu também, não consigo me lembrar...
OUTRO - Do que?
UM - De como foi que a gente se conheceu. O lugar mais remoto, na minha memória, sobre o assunto, é o jardim da sua casa, mas eu acho que, antes do jardim, a gente já vinha junto de outro canto. Depois me vem a sua sala-de-estar e a sua cozinha, uma taça de vinho, a última fileira de cadeiras do teatro do BNB, beijos na cozinha mesmo, beijos no carro. E um barzinho legal, e a gente andando, a gente andando na beira-mar e a gente indo de carro pra uma praia longe daqui. Mas acho que estou misturando os episódios todos.
OUTRO - É...
UM - É?!
OUTRO - É... não é?!
UM - Sabe... a impressão que eu tenho...
OUTRO - É a de que cada encontro nosso é como se fosse o primeiro?!
UM - Isso! Você também tem essa impressão?
OUTRO - Tenho. A gente se encontra, fica junto por umas horas e depois vai cada um pro seu lado, viver, cada um a sua vida... Como se não existisse história entre a gente... O lance é mais físico, é isso o que você quer dizer?
UM - Não, não é isso o que eu quero dizer.
OUTRO - E o que é que você quer dizer então?
UM - Que, não parece, mas, é bem maior o que existe entre a gente. Que, se fosse apenas um lance físico, já tinha acabado. Que a gente talvez nem tivesse se encontrado uma segunda vez, depois que se conheceu. Que, se sentimentos fortes são coisas que podem acabar, o que se dirá de lances apenas físicos. E olha que a gente vive esse lance há um tempão já.
OUTRO - É mesmo! Pode não ter muito nexo... mas eu sinto você como alguém participante da minha vida.
UM - De verdade!? Eu, também, sinto você como alguém participante da minha.
OUTRO - Me diz uma coisa, você lembra como foi que a gente se conheceu?
UM - Lembro!
OUTRO - Sério?!
UM - Não, blefei.
OUTRO - O lugar mais remoto, na minha memória, sobre o assunto, é o jardim da minha casa, mas eu acho que, antes do jardim, a gente já vinha junto de outro canto. Depois me vem a minha sala-de-estar e a cozinha, uma taça de vinho, a última fileira de cadeiras do teatro do BNB, beijos na cozinha mesmo, beijos no carro. E um barzinho legal, e a gente andando, a gente andando na beira-mar e a gente indo de carro pra uma praia longe daqui. Mas acho que estou misturando os episódios todos.
UM - Não!
OUTRO - Não?!
UM - Acho que não, né?
OUTRO - Então é.
UM - É?
OUTRO - É, sim! Aliás, poderia até nem ser, mas agora é.
UM - Gosto dessa sua certeza sobre as coisas...
OUTRO - E eu adoro essa sua... habilidade com as palavras...
UM - Sabe a impressão que eu tenho...
OUTRO - É a de que cada encontro nosso é como se fosse o primeiro. Como, não existe história entre a gente?!
UM - Lembrei...
OUTRO - De como a gente se conheceu?
UM - Não, disso ainda não. Mas lembrei daquilo que eu ia te dizer naquela hora...
OUTRO - Aquilo...? Naquela hora...?
UM - É, aquilo sobre o nosso lance, que não era apenas físico.
OUTRO - Ah, sim... Então fala!
UM - Eu gosto de estar com você, entende?! Me dá segurança! É como se eu estivesse sempre... andando na calçada. Ou sempre... atravessando pela faixa de pedestres. Estar com você é como atravessar pela faixa de pedestres!
OUTRO - Nossa! Que coisa... romântica.
UM - Pois não é! Você me deixa assim, com essa inspiração toda.
OUTRO - To vendo... e você escreve?
UM - Sim, sim, eu tenho até um diploma daqueles de conclusão da Alfabetização: “Doutor do ABC”!
OUTRO - Não foi bem isso o que eu perguntei, mas tudo bem..
UM - Ah, eu ia mesmo te perguntar uma coisa.
OUTRO - Pois pergunta.
UM - Olha. Isso é pra você ver como as coisas são... Esqueci. Deve ter sido por causa desse negocio de faixa de pedestres, mexeu comigo....
OUTRO - Poxa, tenta lembrar.
UM - Não, nem adianta. Quando eu esqueço uma coisa, pronto, eu esqueço mesmo.
OUTRO - Enfim...
UM - Como assim?
OUTRO - Nada, só ‘enfim’ mesmo...
UM - Enfim, parece ‘fim’, você quis dizer alguma coisa com isso?
OUTRO - Não, imagina. Não... Fim é uma coisa que não combina muito com a gente, eu acho.
UM - É mesmo...
OUTRO - É...
UM - Sabe, a impressão que eu tenho
OUTRO - Eu sei, é a de que cada encontro nosso fosse como o primeiro.
UM - E isso é bom!
OUTRO - É, é bom, mesmo! Essa falta de história é a História que existe entre a gente...
UM - Você se lembra de como a gente se conheceu?

Nenhum comentário:

Postar um comentário